Toda a cidade derrota Esta fome universal, E uns dão a culpa total À câmara, outros à frota. A frota tudo abarrota Dentro nos escotilhões, A carne, o peixe, os feijões; E se a câmara olha e ri, Porque anda farta até aqui, É cousa que me não toca. Ponto em boca! Se dizem que o marinheiro Nos precede a toda a lei, Porque é serviço d'el rei, Concedo que está primeiro; Mas tenho por mais inteiro O conselho que reparte Com igual mão e igual arte Por todos jantar e ceia: Mas frota com tripa cheia, E povo com pança oca? Ponto em boca!
A fome me tem já mudo, Que é muda a boca esfaimada Mas se a frota não traz nada, Por que razão leva tudo? Que o povo por ser sisudo Largue o ouro, largue a prata A uma frota patarata, Que entrando com vela cheia, O lastro, que traz de areia, Por lastro de açúcar troca! Ponto em boca!
Se quando vem para cá Nenhum frete vem ganhar, Quando para lá tornar O mesmo não ganhará: Quem o açúcar lhe dá Perde a caixa e paga o frete, Porque o ano não promete No negócio que o perder: O frete por se dever, A caixa porque se choca. Ponto em boca!
Ele tanto em seu abrigo, E o povo todo faminto Ele chora, e eu não minto, Se chorando vo-lo digo: Tem-me cortado o embigo Este nosso General, Por isso de tanto mal Lhe não ponho alguma culpa; Mas se merece desculpa O respeito a que provoca, Ponto em boca!
Com justiça pois me torno À Câmara só senhora, Que pois me trespassa agora, Agora leve o retorno: Praza a Deus que o caldo morno, Que a mim me fazem cear Da má vaca do jantar Por falta de bom pescado, Lhes seja em cristéis lançado; Mas se a saúde lhes toca: Ponto em boca! |