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Julga prudente e discretamente por culpados em uma geral fome
que houve nesta cidade no ano de 1691 pelo desgoverno.

Gregório de Mattos


Toda a cidade derrota
Esta fome universal,
E uns dão a culpa total
À câmara, outros à frota.
A frota tudo abarrota
Dentro nos escotilhões,
A carne, o peixe, os feijões;
E se a câmara olha e ri,
Porque anda farta até aqui,
É cousa que me não toca.
Ponto em boca!

Se dizem que o marinheiro
Nos precede a toda a lei,
Porque é serviço d'el rei,
Concedo que está primeiro;
Mas tenho por mais inteiro
O conselho que reparte
Com igual mão e igual arte
Por todos jantar e ceia:
Mas frota com tripa cheia,
E povo com pança oca?
Ponto em boca!

A fome me tem já mudo,
Que é muda a boca esfaimada
Mas se a frota não traz nada,
Por que razão leva tudo?
Que o povo por ser sisudo
Largue o ouro, largue a prata
A uma frota patarata,
Que entrando com vela cheia,
O lastro, que traz de areia,
Por lastro de açúcar troca!
Ponto em boca!

Se quando vem para cá
Nenhum frete vem ganhar,
Quando para lá tornar
O mesmo não ganhará:
Quem o açúcar lhe dá
Perde a caixa e paga o frete,
Porque o ano não promete
No negócio que o perder:
O frete por se dever,
A caixa porque se choca.
Ponto em boca!

Ele tanto em seu abrigo,
E o povo todo faminto
Ele chora, e eu não minto,
Se chorando vo-lo digo:
Tem-me cortado o embigo
Este nosso General,
Por isso de tanto mal
Lhe não ponho alguma culpa;
Mas se merece desculpa
O respeito a que provoca,
Ponto em boca!

Com justiça pois me torno
À Câmara só senhora,
Que pois me trespassa agora,
Agora leve o retorno:
Praza a Deus que o caldo morno,
Que a mim me fazem cear
Da má vaca do jantar
Por falta de bom pescado,
Lhes seja em cristéis lançado;
Mas se a saúde lhes toca:
Ponto em boca!
 

 

 
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