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 Paulo Henrique de Almeida*
 

VeraCidade - As mudanças nos padrões de produção, comercialização e consumo, além do enfraquecimento das instâncias reguladoras da economia nas últimas décadas, têm aprofundado desigualdades e gerado crises no plano global e regional. Temos vivido um intenso processo de reconfiguração das tradicionais formas de inserção de territórios na economia, que produzem novas formas de exclusão e centralidades. Quais os efeitos da globalização e da reestruturação produtiva sobre a conformação socioeconômica das metrópoles brasileiras, particularmente de Salvador? Quais as conseqüências desses processos sobre o território em termos de reconfiguração espacial e segregação urbana?

Paulo Henrique - A globalização e a reestruturação produtiva têm aprofundado a divisão técnica do trabalho de uma forma inédita. De um lado, o surgimento de uma economia de redes, de terceirização e subcontratação. De outro, o envolvimento do consumidor no processo de produção. É o que a literatura internacional chama de emergência do prossumidor e, mais recentemente, de crowdsourcing, que pode ser (mal) traduzido por “terceirização da multidão”.

Esse aprofundamento da divisão do trabalho leva a que a divisão técnica se estenda ao espaço da divisão social do trabalho. Em outros termos: a unidade de produção transborda e suas fronteiras se dissolvem. Todo consumidor da Microsoft trabalha para Bill Gates. Todos que usam caixas automáticos são bancários. Os ouvintes que interagem também constroem o programa de rádio.

Em síntese, a cidade torna-se a própria unidade de produção. Primeira conseqüência: a produtividade do trabalho em geral passa a depender – completamente – das condições de trabalho na cidade. Inclusão digital, mobilidade, telecomunicação, acessibilidade, etc. Segunda conseqüência: o desenvolvimento econômico depende, cada vez mais diretamente, da eficiência do planejamento urbano.

VeraCidade - Teóricos como Sassen, Borja e Castels afirmam uma relação estrutural entre os processos recentes de financeirização e terciarização da economia e a dualização social. A globalização é um fenômeno inacabado e contraditório e que tem necessariamente como um dos seus pressupostos a política. A tese da dualização explica Salvador e sua região metropolitana?

Paulo Henrique - Penso que toda “dualização” é uma simplificação excessivamente caricata da realidade. O mundo não é binário. As mudanças em curso apontam para uma heterogeneidade crescente, econômica, social e política. Levam à individuação e à singularidade. O lado bom é que isso abre espaço para a conquista de novos direitos, particularmente para minorias e indivíduos. O lado ruim é que ainda não nos acostumamos com essa sociedade multidinária, de movimentação de movimentos, na qual as Paradas Gays são politicamente mais importantes do que os Primeiros de Maio.

VeraCidade - A urbanização e industrialização no Brasil constituíram uma divisão interregional do trabalho que consolidou desigualdades espaciais históricas. Apesar das políticas regionais de desenvolvimento, estão no Centro–Sul os pólos mais dinâmicos da economia nacional. Esse processo gerou uma grande diversidade sócio-espacial e sucessivos movimentos de centralização e descentralização econômica. No atual contexto de reestruturação produtiva e de crise, como ficam Salvador e sua região? É possível romper com a herança legada pela divisão regional do trabalho fordista e assumir uma posição de destaque nesse novo contexto de acumulação flexível?

Paulo Henrique - Precisamos atualizar nosso discurso. Hoje, em 2009, é o neoliberalismo que está em crise e a intervenção do Estado voltou com tudo. É Obama e não Bush quem governa os EUA, onde a ação governamental atinge proporções desconhecidas desde a Segunda Guerra. Mas sem ilusões. O desenvolvimento continuará combinado, porém desigual. Existe “nordeste” na Itália, ainda que fique ao sul de Roma, e há Piauí nos Estados Unidos, ainda que se chame Novo México. O importante é abandonar o mais rápido possível o sonho (ou pesadelo) de transformar a RMS em ABC. O importante é não aceitar novas “tibrás” como sinônimo de desenvolvimento.
Na Bahia, a política de “atração de indústrias” a qualquer custo com base na guerra fiscal levou a dois déficits gigantescos: o apagão da infraestrutura e a carência absoluta de serviços sociais, vale dizer, de saúde, educação ou segurança.

Nos próximos anos, temos que lutar para que sejam estas as locomotivas da economia: os investimentos em logística e mobilidade, habitação e saneamento, saúde e educação, lazer e segurança. Mais que isso: é preciso reconhecer a importância econômica crescente das transferências sociais (da aposentadoria ao bolsa família) e o caráter economicamente estratégico da preservação ambiental.

Tão importante quanto o tamanho do PIB é sua distribuição social e sua origem. Vamos lutar para que o nosso PIB seja mais social e mais ecologicamente correto que o de São Paulo. Façamos disso nosso diferencial. Uma cidade mais justa e mais verde atrairá, certamente, novos e melhores investimentos.

VeraCidade - A literatura fala em uma certa especialização da economia das nossas capitais. São Paulo, nossa global city e Porto Alegre apresentam grande peso da indústria de transformação. De forma adicional, fala-se ainda do caráter não–industrial das regiões metropolitanas de Recife, Belém e também de Salvador – que teria um grau de especialização mais elevado em serviços de utilidade pública, comércio, serviços sociais e administração pública. Vivemos hoje uma nova terciarização da economia da RMS, uma "reengenharia", "downsizing" e "flexibilização" crescente do trabalho. O que efetivamente muda em Salvador nesse novo contexto?

Paulo Henrique - O fato de que São Paulo ou Porto Alegre são metrópoles mais industrializadas não resulta do acaso ou da necessidade, mas sim da contingência, isto é, da história. Lá, houve no início economias agroexportadoras mais dinâmicas, com melhor distribuição da propriedade e da renda, inclusive com maior presença de classes médias rurais. Daí derivou uma sequência de processos que levou à expansão da indústria, surgimento de uma classe operária, novas classes médias urbanas, expansão dos mercados etc. Tais processos se realimentaram com base no que os economistas chamam de economias de aglomeração etc. etc..

O fundamental é ter claro que a história não se repete e que, portanto, Salvador nunca será São Paulo. Como lembro, brincando, para meus alunos, o fato da Ford ter acabado de chegar à Bahia não é contraditório com a realidade pós-fordista da nossa economia. Primeiro, porque esta realidade é global, antes de ser local; segundo, porque a Ford em Camaçari não é a Ford dos anos 1950, no ABC.

O que muda? O que muda é que precisamos aprender a atrair investimentos com base no nosso capital humano e na qualidade dos nossos serviços. A guerra fiscal é uma estratégia cada vez mais anacrônica. Além disso, precisamos entender que é impossível competir de igual para igual com São Paulo. Há uma forte tendência à reconcentração das sedes de organizações e dos serviços avançados em São Paulo. Os processos de feedback positivo continuam ocorrendo no pós-fordismo. Nossa estratégia deve ser, por conseguinte, alternativa.

VeraCidade - Fala-se, cada vez mais, em uma nova economia, fundada no desenvolvimento do capital humano, na informação e na cultura. Efetivamente o que caracteriza a dinâmica da economia regional? Qual o significado de tais processos em uma cidade como Salvador, cuja característica sempre foi a precarização do mercado de trabalho?

Paulo Henrique - Alguns dizem que não podemos ter uma estratégia focada na formação de capital humano para a produção de serviços superiores porque nossos trabalhadores não têm instrução. E porque a verdade não está no inverso? Não é a escassez de educação profissionalizante e superior que nos leva à situação atual?

A economia metropolitana do século XXI é uma economia fundada no conhecimento. Isso significa dizer: uma economia intensiva em capital humano, em que o peso dos setores de comunicação e informação aumenta e onde o capital intangível tem mais peso que o tangível. E mais: uma economia que produz, sobretudo, serviços  e bens intangíveis (software, conteúdo cultural etc.).

É preciso levar tudo isso a sério. Precisamos, no mínimo, de multiplicar por três, em vinte anos, a proporção da população soteropolitana ocupada com nível universitário. Precisamos de mais pós-graduados. Precisamos produzir um ambiente inovador, aberto a iniciativas empreendedoras. Primeira condição: acesso aos meios de produção do século XXI, vale dizer, educação, cultura, inclusão digital, crédito. Segunda condição: qualidade de vida, vale dizer, menos poluição, mais saúde, segurança, habitação decente, mobilidade.

VeraCidade - Uma das atividades da economia soteropolitana que tem mais crescido é de serviços de saúde. Esse fato está relacionado apenas ao aumento da expectativa de vida ou existem outros fatores interferindo nesse desempenho?

Paulo Henrique - A principal causa é, sem dúvida, o envelhecimento da população. Cresce a proporção de pessoas na terceira idade e, além disso, a expectativa de sobrevida aumenta. Mas existem vários outros fatores, que vão da expansão da rede pública à maior difusão dos planos privados de saúde, das inovações forçadas pela indústria à redução do desemprego e do trabalho informal.

A saúde ocupa em Salvador 6,1% dos trabalhadores e esta proporção vai aumentar, inclusive na medida em que a cidade se afirme como centro exportador de serviços de saúde, de turismo-saúde, de pesquisa e de educação técnica e superior nesta área.

VeraCidade - Salvador viveu recentemente boom de faculdades particulares. Esse processo já se esgotou?

Paulo Henrique - Quando a oferta de vagas públicas não consegue acompanhar a demanda, a expansão da oferta de ensino superior privado depende, principalmente, de três variáveis: a) o número de concluintes do segundo grau; b) a expansão da economia (PIB) e, por conseguinte, da renda, e c) o grau de regulação ou (des)regulação do setor.

A economia está em crise e não são esperadas taxas de crescimento muito altas para os próximos anos. A (des)regulação do setor privado, que caracterizou os governos FHC e a gestão de Paulo Renato no MEC, foi substituída pela prioridade para a expansão das Instituições Federais no segundo governo Lula. Resta o aumento do número de portadores de diplomas de ensino médio dispostos a fazer universidade e o PROUNI. Isso não é suficiente para a continuidade do boom.

Como já estava claro desde o início da década, o momento é de centralização do capital no setor privado, com o desaparecimento das faculdades isoladas e a expansão dos grandes grupos nacionais – freqüentemente associados ao capital estrangeiro – que podem, graças à escala, oferecer cursos baratos com um mínimo de qualidade.

Para uma cidade pobre como Salvador, é muito importante o incremento da proporção de vagas nas universidades públicas. Mas isso deve vir combinado com a ampliação dos cursos noturnos, a preservação da política de cotas e a extensão da assistência estudantil. Se não for assim, os pobres continuarão de fora. Só 15% da população ocupada de Salvador tem, hoje, diploma de terceiro grau. A proporção é de cerca de 50% numa metrópole desenvolvida. Há muito a fazer.

VeraCidade - Salvador é uma cidade com grande potencial turístico. Como o Senhor avalia a participação da economia do turismo no PIB municipal? Qual o turismo desejável para a cidade?

Paulo Henrique - O turismo é a principal atividade econômica no planeta, mas o significado desta frase é mal compreendido. O turismo em sentido estrito – operadoras e agências de viagens, companhias de transporte de passageiros e hotelaria – pesa pouco. Uma pequena fração do PIB e menos de 1% da ocupação direta na RMS. Contudo, o turismo é o único setor da economia que impacta sobre todos os outros setores, de restaurantes a segurança, passando pelo entretenimento ou pela publicidade. Ele tem um efeito multiplicador de demanda que nenhum outro setor tem.

A cidade não deveria compactuar com o turismo de enclave, com o turismo de resort.  O turismo dos três “s” – sun, sand and sex – tem taxas baixas de crescimento e alto custo ambiental e social. É melhor apostar no turismo de eventos combinado com um turismo cultural que incentive o prolongamento da estada: convenções e congressos, acompanhados de atrações como shows, museus, restaurantes etc.

O problema é que a cidade não conta com uma oferta significativa de centros de convenções e auditórios, para não falar da inexistência de arenas para espetáculos. Esta é uma das razões pelas quais São Paulo atrai por dia a quantidade de eventos que Salvador capta por ano.

VeraCidade - Qual a participação do capital imobiliário na economia de Salvador?

Paulo Henrique - A construção civil ocupa 5% dos trabalhadores da cidade, o que é uma porcentagem significativa. A administração e o comércio de imóveis (gestão de condomínios, corretores etc.) empregam quase 2%. Os dois setores geram, portanto, mais de 70 mil postos de trabalho.

A construção civil passa por intensa revolução tecnológica, inclusive organizacional, e opera, hoje, mais como prestação de serviços através de redes de subcontratação do que, propriamente, como indústria no sentido tradicional. A reconstrução do sistema de financiamento da habitação, os investimentos do PAC, o programa “Minha Casa, Minha Vida” e outras iniciativas devem garantir a continuidade do boom, após o “freio de arrumação” imposto pela crise.

E é isso que, paradoxalmente, nos inquieta. O capital imobiliário em Salvador não demonstra suficiente preocupação com os impactos ambientais e urbanísticos de seus investimentos. Incomoda o descaso, freqüente, com o patrimônio histórico e ambiental, com as condições de mobilidade. A ótica do capital imobiliário é a do curto prazo, do lucro imediato. Não há o que discutir, é preciso maior regulação do Estado.

VeraCidade - Qual o perfil do desempregado nos atuais tempos de globalização? Como se explica a relação entre o aumento do nível de escolaridade, especialmente de pessoas com 3º grau, e as atuais taxas de desemprego?

Paulo Henrique - Em Salvador, o desempregado é, sobretudo, o cidadão que tem formação intermediária e incompleta. Quase 30% dos trabalhadores que completaram o primeiro grau, mas não concluíram o segundo, estão desempregados. É o pessoal que não aceita ganhar o salário mínimo, mas também não consegue um posto melhor.

É verdade que o desemprego cresceu entre os portadores de diplomas de terceiro grau. Os graduados por universidades são, hoje, menos escassos; ademais, muitos obtiveram diplomas mal avaliados pelo mercado ou optaram por profissões de pouca empregabilidade. Mas isso é a parte menos importante do quadro. Os desempregados entre os portadores de diploma de ensino superior são 8%. Isso significa dizer que a probabilidade de ficar desempregado com um curso superior é cerca de 1/3 (um terço) daquela que vale para quem não concluiu o ensino médio.

Multiplique o período maior de emprego durante a vida pelo salário maior do portador de diploma universitário e você terá o valor real do diploma de terceiro grau: ele vale entre 90% e 150% a mais que o de ensino médio em Salvador. Eu fiz o cálculo e publiquei. Está na Análise & Dados, revista da SEI/SEPLAN, de março de 2006, disponível na Internet.

VeraCidade - Historicamente Salvador e sua região metropolitana têm apresentado as maiores taxas de desemprego do país. Atualmente, segundo o DIEESE, a RMS apresenta um percentual de 21,6% de desempregados, ou seja, em torno de 396 mil pessoas. O que explica taxas de desemprego tão altas, sobretudo se considerarmos que a população economicamente ativa (PEA) na RMS vem se reduzindo nos últimos anos em relação a PIA – redução maior inclusive do que em outras regiões?

Paulo Henrique - Minha tese é de que o desemprego em Salvador (ou em Recife) só pode ser entendido numa perspectiva braudeliana, vale dizer, na ótica da “longa duração”. O declínio das atividades agrícolas tradicionais no Recôncavo (açúcar, fumo) bloqueou o desenvolvimento da agroindústria no entorno da cidade. A estrutura agrária e a lenta difusão do assalariamento no campo atrasaram o desenvolvimento do mercado. Na segunda metade do século XX, a opção por uma indústria triplamente concentrada – setorialmente, espacialmente e em termos de propriedade do capital – completou o quadro de baixo dinamismo da economia soteropolitana.

Para piorar, nunca se desenvolveu uma política econômica específica para a cidade. Uma visão míope, estreitamente “industrialista”, levou à idéia de que Salvador cresceria a reboque do Pólo Petroquímico de Camaçari. Esse tipo de visão, típica dos anos 50, choca-se com a realidade pós-industrial do século XXI, na qual é a base desenvolvida de serviços da metrópole (logística, educação técnica e superior, design etc.) que pode criar os empregos e assegurar a atração e a manutenção de novas fábricas na sua periferia.

VeraCidade - A informalidade é realmente um fenômeno estrutural em países como o Brasil? Como o Senhor avalia essa questão mais especificamente, no cenário soteropolitano? Dados mais recentes relativos ao desempenho da economia de Salvador indicam que nos últimos dez anos houve uma redução de trabalhadores informais. O que tem determinado esse fenômeno?

Paulo Henrique - No Brasil dos últimos anos, mesmo com taxas moderadas de crescimento, a ocupação formal avançou bem mais rápido do que a informal. Isso comprova que a informalidade não é um fenômeno estrutural. O que se discute, todavia, é a qualidade do novo trabalho formal. Ele tende a ser mais “precário”; é mais instável, pior remunerado e, muitas vezes, assegura menos direitos.

VeraCidade - Sabe-se que existe uma proporção crescente de trabalhadores informais com educação superior. Esse fato pode ser atribuído apenas aos altos índices de desemprego em Salvador ou existem outros fatores que contribuem para essa questão?

Paulo Henrique - O quadro não é exatamente este. Em Salvador, segundo os dados da PED, a informalidade entre os ocupados portadores de diploma de terceiro grau passou de 8,5% em 1987/88 para 17,4% em 1997/98. Mas esta proporção se estabilizou na seqüência: na amostra de 2007/08, a proporção é de 17,2%. O que é importante destacar: trata-se de uma porcentagem muito inferior as verificadas para os ocupados com menor grau de instrução. Entre os analfabetos, em 2007/08, a proporção de informais era de 71,5%!

VeraCidade - Há um elevado percentual de mulheres e negros no trabalho informal. Esse fato está relacionado a uma discriminação da mulher e negros no mercado de trabalho formal ou existem outros fatores que contribuem ou determinam esses números?

Paulo Henrique - Na amostra PED 2007/08, a informalidade atingia 31,8% dos brancos e 41,3% dos negros. É possível que parte desta diferença se explique pela permanência do racismo, mas seria prudente comprovar essa tese com pesquisa específica. O certo é que há um círculo vicioso: filhos de negros, porque são mais pobres, têm menos acesso à educação, logo, maior dificuldade de atingir ocupações formais. Esse tipo de círculo vicioso deve ser quebrado por uma política de ações afirmativas, como reivindica o movimento negro. O processo já foi iniciado em nossas universidades públicas.

No que diz respeito às mulheres, também é preciso avaliar com cuidado, na ausência de pesquisas com foco específico. A proporção de mulheres ocupadas na informalidade era de 43,4%, enquanto a porcentagem entre os homens era de 36,3%, sempre para a amostra 2007/08. O machismo, muito provavelmente, tem um peso. Mas existem pelo menos dois outros fatores importantes: primeiro, as mulheres são maioria absoluta no emprego doméstico, que ainda é 66% informal e ocupa 9% dos trabalhadores da cidade; segundo, é possível que muito da informalidade feminina seja voluntária, haja vista a necessidade de conciliar trabalho temporário e criação de filhos.

VeraCidade - As ilhas de Salvador – Bom Jesus, Frades e Maré, apresentam os menores índices de rendimento médio do município. Como incorporar as ilhas em uma nova dinâmica econômica? Como articular o tradicional e o moderno em um projeto de desenvolvimento para Salvador?

Paulo Henrique - Cerca de um terço da população das ilhas ainda depende de atividades extrativistas, sobretudo da pesca, com pouco futuro no Recôncavo. Não conheço de perto a realidade das ilhas, mas acredito que seu amanhã esteja no veraneio, no turismo e na náutica de lazer. O problema é que a população local tem baixíssimo nível de educação e pouca qualificação para esse tipo de serviço, que exige mão-de-obra capacitada. Seria importante começar por aí, pela formação dos jovens.

VeraCidade - Quais os impactos que o parque tecnológico trará para a Bahia, particularmente para o mercado de trabalho soteropolitano? Quais desafios e possibilidades que ele trará para a economia da cidade? Como a mão-de-obra local deverá ser preparada para atender suas demandas?

Paulo Henrique - O importante é que o Parque enquanto espaço físico não deve se tornar um fetiche, sob risco de criarmos um “elefante branco” e ocupá-lo com mais um SAC. Encontramos aí, mais uma vez, a obsessão pela “atração de empresas”. No entanto, a estratégia mais correta talvez fosse apostar nos núcleos de pesquisa de ponta que já existem na cidade, notadamente na área de saúde, na UFBA e na FIOCRUZ e que têm mostrado eficiência na captação e alavancagem de recursos financeiros. Neste sentido, o Parque “virtual” – vale dizer, as redes de pesquisadores – deveriam estar se organizando, se agrupando, antes da obra, de baixo para cima.

Há muita incompreensão. Há quem confunda parque tecnológico com fábrica de software ou de preservativos. É necessário lembrar que o Parque não demandará “mão-de-obra” e sim cérebros. Ele dependerá é de banda larga, capacidade cognitiva e muito empreendedorismo. Exatamente o que nos falta.

VeraCidade - Salvador irá sediar os jogos da copa, o que isso implica em termos de  demanda por investimentos na economia local e regional. Quais os impactos imediatos desse tipo de investimento para o comércio e serviços em Salvador? Como nossa economia poderá internalizar os efeitos gerados pela copa?

Paulo Henrique - A Copa é uma oportunidade única por três razões. Primeiro, pela atividade econômica intensa, ainda que temporária, decorrente da implantação da infraestrutura necessária, do consumo gerado pelos turistas e visitantes atraídos pelo evento e dos efeitos multiplicadores gerados por estes investimentos (construção civil, telecomunicações) e gastos (turismo, entretenimento).

Segundo, pela possibilidade de upgrade do marketing de Salvador. A Copa permite a construção de uma nova imagem e a afirmação da “marca” da cidade: capital simbólico; sinalização da metrópole como centro apto a captar não apenas eventos, mas também novos investimentos em setores diversos da economia, porque tecnologicamente avançada, dotada de oferta de serviços de qualidade etc.

Finalmente, a Copa deixará um legado de longo prazo, tangível e intangível, resultante da infraestrutura criada (transportes, telecomunicações, equipamentos esportivos) e do aprendizado empresarial e social decorrente do evento: know-how acumulado, inserção em redes, afirmação da identidade, da auto-estima etc.

VeraCidade - Como a crise afeta a capacidade de investimento público?

Paulo Henrique - Em primeiro lugar, a crise reduz a demanda por serviços, logo, a arrecadação do ISS, principal tributo municipal. Além disso, a política anticíclica do Governo Federal incluiu a redução de impostos federais (IR e IPI), o que acabou por diminuir o valor das transferências constitucionais da União via FPM – Fundo de Participação dos Municípios. Ainda que parte dessa perda tenha sido compensada pelo incremento do IPVA, que resultou da maior venda de automóveis permitida pela diminuição do IPI, eu acredito que o efeito final tenha sido a redução das transferências.

Ao mesmo tempo, há vinculação constitucional de boa parte das receitas às despesas obrigatórias com saúde e educação, à qual se somam as obrigações com serviço da dívida e pessoal. Isso significa que sobra pouco para investimento, mesmo quando a situação é de estabilidade. A crise agrava um problema que é crônico.

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*Doutor em Economia - Université de Paris X (Paris-Nanterre) , Mestre em Economia pela Unicamp Graduado em Economia pela UFBA .   Professor da Universidade Federal da Bahia, atualmente licenciado e a serviço da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, onde ocupa cargo de Superintendente. Atua na área de Economia, com ênfase em Economia Urbana, Economia da Cultura e Economia e Gestão dos Serviços.
 
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