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Empobrecimento de Salvador

 Edson Pitta Lima *

 

Por que Salvador situa-se no grupo das quatro capitais que apresentam rendas per capita e tributária mais reduzidas? Acredito que a origem desse estado de pobreza ocorreu a partir dos anos 60, quando Salvador passou a sofrer um processo de esvaziamento industrial, induzido pelos planos de industrialização implantados por seguidos governos do Estado. Refiro-me ao processo que passou pelas implantações do Centro Industrial de Aratu (CIA), do 2º Polo Petroquímico, de centros industriais em Feira de Santana (Subaé) e outros importantes municípios do interior, e mais recentemente resultou no Polo Automotivo (complexo Ford e fábricas de pneu).

Nos recentes cinco anos o crescimento demográfico de Salvador alcançou significativos 2,80% ao ano, crescimento que autoriza a previsão de que em 2012 aqui residirão pelo menos 3,3 milhões de pessoas, mais de 400 mil acrescidas às quase 2,9 milhões encontrados pelo IBGE em 2007 (exatos 2.892.625). É evidente que tal dinamismo demográfico não é acompanhado por correspondente desempenho econômico.

Dados do mesmo IBGE indicam que em 2005 a renda per capita acusou minguados R$ 8.028, 00 que a coloca como terceira mais pobre entre as capitais do Nordeste, região onde estão os maiores bolsões de pobreza. Ressalte-se, também, que mesmo entre os municípios da sua própria região metropolitana (RMS), essa renda apenas não era inferior às de Itaparica, São Sebastião de Passé, Mata de São João e Vera Cruz.

Em 2007, constatou também o IBGE, dos 2,9 milhões de habitantes, mais de 1,2 milhão não possuíam rendimentos, 487 mil viviam com apenas um salário mínimo, e outros 427 mil, com um a dois. Resumindo: 74% das pessoas viviam sem renda, ou com até dois salários mínimos.

Destaques negativos associados a essa situação são os referentes à taxa de desemprego – cronicamente a maior entre as sete principais capitais – e ao déficit de moradias, que em 2000 alcançou 100 mil unidades, acrescidas das mais de 500 mil necessitadas de qualificação, quadro que sintetiza as precárias condições sociais e de extrema carência de acesso à infraestrutura e aos serviços públicos. Foram encontrados 928,6 mil domicílios ou 94,9 mil famílias, correspondentes a 267,5 mil pessoas, sem terem onde morar.

Entre as 500 mil unidades habitacionais necessitadas de qualificação, as mais preocupantes são as que precisam ser transferidas urgentemente, em virtude de se encontrarem em bordas de encostas, com risco iminente de desabamento e mortes; no leito ou em margem de rios e córregos, com riscos comparáveis; em áreas públicas destinadas a equipamentos comunitários; ou em velhos prédios do Centro Histórico, que apresentam precária estabilidade e ausência total de manutenção. 

Importante parcela desse quadro de extrema precariedade sócio-econômica resulta, sem dúvida, do esvaziamento de Salvador, processo cuja origem situa-se nos anos 1960 e decorre justamente da política adotada por sucessivos governos do Estado, empenhados em criar distritos industriais na RMS e em municípios de porte médio do interior.

No inicio dos anos 1960 foi implantado o Centro Industrial de Aratu, com oferta de incentivos fiscais e terrenos subsidiados, dotados de infraestrutura e, posteriormente, até de galpões. Como conseqüência imediata, Salvador - que nos primórdios dos incentivos fiscais regionais, iniciava a formação de parque industrial na Avenida Barros Reis, em Pirajá e em Itapagipe –, passou a sofrer de esvaziamento industrial, incapacitada que ficou de oferecer os mesmos incentivos e vantagens. Esse processo passa também pela formação do Distrito Industrial de Subaé, ganha novo impulso nos anos 1970, com a criação do 2º Pólo Petroquímico – hoje Polo Industrial de Camaçari, e chega aos anos de década 1990, estes marcados pela instalação do Polo Automotivo, e pelas instalações de fábricas diversas pelo interior, incluindo as dos ramos de confecções, calçados e outros.

Nesse processo, para Salvador foram reservadas duas funções: 1) a de cidade-dormitório para os trabalhadores das indústriais da RMS, incluindo os operadores da Petrobrás em Madre de Deus, São Francisco do Conde e Candeias – que na condição de moradores demandariam, evidentemente, serviços pessoais e familiares, como abastecimento, comércio lojista, educação, cultura, entretenimento e lazer; 2) a de oferecer o indispensável suporte às atividades de suprimento e manutenção às indústrias que estavam se localizando no seu entorno.

Salvador foi relegada, dessa forma, à condição de economia reflexa, que pretensamente se expandiria como consequência dos efeitos gerados pela indústria da RMS – efeitos que, entretanto, perduraram por pouco tempo.

Passaram a dissipar-se à medida que os próprios municípios metropolitanos, notadamente Simões Filho, Lauro de Freitas e Camaçari, passaram a oferecer condições adequadas à localização das atividades de suprimento e manutenção industriais. Em resposta, tais atividades logo passaram a deslocar suas instalações e empregados para essas cidades, em busca de vantagens, como a proporcionada pela presença permanente junto à clientela. Paralelamente, os aprazíveis condomínios fechados construídos nesses mesmos municípios, à beira-mar, passaram a seduzir crescentes parcelas do pessoal empregado nas indústrias da RMS, gente bem empregada nas atividades de administração e produção, seduzida por melhor qualidade de vida, incluindo a menor distância casa-trabalho.

O esvaziamento de Salvador foi marcado, no decorrer desse processo, pela ausência de políticas governamentais que pudessem contrapor os correspondentes efeitos, excetuando a representada pelo Plano de Turismo do Recôncavo, elaborado em 1970 e, recentemente, pelo apoio à criação de Arranjos Produtivos Locais (APL’s). São exemplos, o Arranjo Produtivo de Confecções, em Itapagipe, e o do Parque Tecnológico da Bahia, ainda em vias de implantação. Salvador passou então a ser apenas o destino final de migrantes, atraídos pela vã esperança de emprego nos polos industriais da RMS e que, frustrados, nesta capital passaram a lutar por condições de sobrevivência. Tal fenômeno resultou na intensa e desordenada ocupação da periferia –, nas invasões, a maioria em áreas de alto-risco, como encostas e baixios, propensas a deslizamentos e alagamentos. É o que ocorre, principalmente, em ampla faixa entre a BR 324 e a Avenida Luiz Viana Filho (Paralela).

As dinâmicas perversas do atraso, as que justamente se manifestam na atração de migrantes pobres sem chance de oportunidades decentes, na expulsão de parcelas da população com maior poder aquisitivo para o Litoral Norte, e na deficitária atração de atividades geradoras de maior valor agregado, minam a capacidade fiscal da administração municipal. E tal incapacidade, por elementar processo de causa e efeito, resulta em insuficiência de meios para investir em infraestrutura de melhor qualidade, para restaurar o Centro Histórico e investir em obras e programações que valorizem o potencial turístico decorrente de fatores históricos, culturais, clima e natureza. Impede, enfim, que Salvador seja preparada para atrair fluxos turísticos de maior poder aquisitivo, que aqui encontrariam, também, motivação para permanecer por mais tempo.

A escassa renda tributária própria, causa da fragilidade financeira, impossibilita a manutenção de recursos humanos mais qualificados nos quadros da Prefeitura, melhores condições materiais e capacidade para executar os investimentos que a cidade requer.

Segundo dados da Secretaria da Municipal da Fazenda (SEFAZ) referentes a 2007, 18% dos imóveis (102.595 contribuintes) são isentos do IPTU – isenção extensiva aos imóveis cujos valores a pagar sejam iguais ou inferiores a R$ 18,76. O restante, correspondente a 587.067 contribuintes, proporciona R$ 140.500,00 – na divisão per capita apenas RS 243,00. Dos 30 mil logradouros, 9 mil (30%) nem são cadastrados.

Para reverter este processo de flagrante pobreza e projetar um futuro melhor, é indispensável encontrarmos caminhos para o desenvolvimento sustentável da cidade, de forma a possibilitar que a administração municipal possa dispor dos meios necessários à redução da precariedade na infraestrutura e na prestação dos serviços públicos.  Acredito que esses caminhos, embora não sejam os únicos, devem passar por:

01. Elaboração de diagnóstico preciso do processo econômico e social que conduziu Salvador à atual situação, incluindo identificação das vocações econômicas e escolha da estratégia, políticas e projetos que possam reverter a tendência de esvaziamento econômico;

02. Requalificação imediata das áreas históricas que estão em processo de deterioração e esvaziamento econômico, com base em estratégia que inclua a implementação de atividades econômicas e uso de incentivos que possam induzir o setor privado à recuperação e manutenção das edificações – cabendo ao setor público municipal a melhoria da infraestrutura. Essas áreas são: Pelourinho, Santo Antonio do Carmo, Baixa dos Sapateiros, Barroquinha, Praça Castro Alves, Ladeira da Montanha, Avenida 7 de setembro e Comércio;

03. Aproveitamento e multiplicação dos efeitos diretos e indiretos derivados da instalação do Parque Tecnológico da Bahia, que juntamente com as universidades existentes, e o Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia – Cimatec, poderão ensejar atividades típicas da “era do conhecimento”;

04. Elaboração de um Plano de Desenvolvimento Turístico focado no aproveitamento do potencial da Baía de Todos os Santos, com vistas a ampliar a permanência média do visitante na cidade, hoje situada em torno de 2,8 dias, e aumentar o seu dispêndio médio. A execução de tal plano, e mais a requalificação da Orla Atlântica Norte e da Orla da Península Itapagipana, ambos em estudo, poderão mudar a face da cidade e ampliar as atividades econômicas voltadas para o turismo;

05. Aproveitamento do potencial da Baia de Aratu, com vistas à implantação da indústria náutica, a partir da demanda gerada pelos trabalhos de prospecção de petróleo;

06. Identificação de vocações econômicas em bairros e comunidades populosos, como Liberdade, Subúrbio Ferroviário, Pirajá - BR324, Cia/Aeroporto/São Cristovão/Cajazeira, Calçada – San Martin, etc.

Espera-se que essas ações possam reverter o processo de decadência aqui descrito, impulsionando as forças do dinamismo em prol da economia da cidade. A escolha de Salvador como uma das sedes da Copa do Mundo poderá unir os governos federal, estadual e municipal, no esforço de melhorar a infraestrutura da cidade, contribuindo decisivamente para a ativação dessas forças dinâmicas.

 

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*Subsecretário Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente do Município do Salvador, Ex- Secretário de Planejamento do Estado da Bahia. Professor da Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Economia e Pós-Graduado na CEPAL-ILPES
 
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