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 Economia Solidária

 Genauto Carvalho de França Filho *
 

Revista VeraCidade - Tradicionalmente a economia popular é considerada sem escala e periférica. Conceitualmente, o que a distingue da economia informal e principalmente da economia popular e solidária? O que define mais particularmente a economia popular e solidária?

Genauto França - Na sociedade em que vivemos, existe um mar de experiências de organização popular, articulando produção econômica e vida social extremamente complexo e multifacetado. O problema é que o modo de lermos e compreendermos tal realidade parece muito limitado na maioria das vezes. Em geral não interpretamos devidamente este fenômeno e nos escondemos por trás de grandes leituras da realidade econômica, que diz muito sobre grandes tendências e rumos da economia global, mas muito pouco sobre em que consiste tais práticas e qual sua singularidade.
As práticas de economia popular e solidária tem conquistado relativo destaque nesse universo da organização dos setores populares, por algumas razões: em primeiro lugar o caráter coletivo e de tentativa de instituir uma forma democrática de organização nas suas iniciativas que, em geral, são pensadas como empreendimentos econômicos solidários (EES). Tais empreendimentos assumem o formato jurídico de cooperativas, associações ou tem origem na própria ação de grupos informais. Portanto, não podem ser vistos (à imagem mais conhecida da economia informal) como saídas individuais contra o desemprego, como é o caso do micro-negócio ambulante, que ocupa principalmente as zonas periféricas de grandes centros urbanos, especialmente em países do Sul, que existe apenas enquanto meio de sobrevivência econômica para aquele que a desenvolve, sem necessariamente nenhuma vinculação ou inscrição da atividade numa base territorial ou saber tradicional.
Em segundo lugar, a economia popular e solidária (EPS) tem se diversificado em suas formas de atuação, a exemplo do comércio justo, das finanças solidárias ou do próprio cooperativismo popular. Em terceiro lugar, a EPS apresenta um horizonte de institucionalização radicalmente distinto da tradição da economia informal ou meramente popular. Isto porque, as iniciativas de economia solidária não se resumem aos EES agindo isoladamente, também devem ser mencionadas as diferentes modalidades de auto-organização política como as Redes e Fóruns, a exemplo do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) ou dos fóruns regionais e municipais de economia solidária. Tais espaços públicos, bem como as próprias redes que se constituem, permitem reconhecer a economia solidária hoje no Brasil como um campo de práticas em busca de reconhecimento institucional. Tal campo tem praticamente adquirido também o status de um movimento social, que aliás, parece de tipo radicalmente novo, ao conjugar, simultaneamente, certas tradições reivindicatórias de outros movimentos na sua relação de interlocução com os poderes públicos, de um lado,  e, a incorporação de uma grande novidade representada pela lógica de auto-organização sócio-econômica própria as suas iniciativas, do outro.
Neste horizonte de institucionalização característico de tais práticas, há que se mencionar o surgimento recente das chamadas políticas públicas de economia solidária que se disseminam em todo o país, principalmente na agenda de alguns governos municipais mais sensíveis a temática, mas que também é alvo da ação de governos estaduais como no caso da Bahia, com Jacques Wagner, que criou uma Superintendência de Economia Solidária (Sesol), ligada à Secretaria do Trabalho e acaba de inaugurar em Salvador, um Centro Público de Economia Solidária.
Antes mesmo das instâncias governamentais, o papel desempenhado historicamente pelas chamadas Entidades de Apoio e Fomento (EAF), na constituição e fortalecimento da economia solidária como um campo de práticas, é de grande importância. As EAF podem ser organizações da sociedade civil ou mesmo Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), que se multiplicam no interior das universidades como espaços organizativos de disseminação da extensão universitária voltada para o tema da economia solidária, o que implica em amplo processo de capacitação, articulando estudantes em diferentes níveis, professores, profissionais e moradores de bairros populares. Seja na forma de incubadoras universitárias ou enquanto organizações da sociedade civil, as EAF estão envolvidas diretamente na ação de apoio ao desenvolvimento das iniciativas e empreendimentos da economia solidária. Essa conjunção de atores e iniciativas institucionais diversas, parece vir demonstrar que estamos diante de um fato bastante distinto daquilo que se poderia conhecer em outros tempos, seja em termos de movimento social ou de economia popular, ou informal pura e simplesmente.
Para resumir, num esforço de precisar ainda mais a distinção em relação a economia popular ou a economia informal, observa-se que a economia solidária já se constitui como um campo bastante heterogêneo de atores (EES, EAF e poderes públicos) que se articulam criando espaços de auto-organização econômica e de auto-organização política, na busca de construção de uma nova institucionalidade para o fazer econômico em sociedade. Em seguida, trata-se de um universo de iniciativas bastante diversificado, tanto pelo seu âmbito de atuação (finanças solidárias, comércio justo, cooperativismo popular, etc.), quanto pela dimensão dos empreendimentos, que vão de pequenas associações e cooperativas populares (principalmente no Nordeste), até grandes cooperativas ou empresas recuperadas pelos trabalhadores – estas, em geral de médio e grande porte (mais comuns nas regiões Sul e Sudeste do país); assim como pela origem social das iniciativas, pois se a grande maioria dos empreendimentos são oriundos dos meios populares ou tem envolvimento com um novo tipo de ação sindical, é preciso considerar também aquelas iniciativas constituídas por profissionais liberais, atuando principalmente no campo dos serviços (como tecnologia da informação e outros), que são evidentemente muito menos representativas em quantidade.
De todo modo, o fato de pertencer a um contexto de ação diferente daquele da organização popular tradicional, não imuniza grande parte das experiências de economia solidária de uma série de dificuldades que são próprias à organização popular. Seja, de um lado, pelo próprio fato da ausência de um quadro institucional plenamente favorável em termos de leis específicas, assegurando o pleno desenvolvimento dos empreendimentos da economia solidária. Seja, por outro lado, pelo próprio acúmulo de déficits que são comuns a realidade dos empreendimentos populares (deficit de qualificação e capacitação das pessoas, de cultura política democrática etc.), que faz com que o dia a dia de muitos EES seja marcado por grande instabilidade e relativa precariedade em termos econômicos, principalmente nos primeiros anos de vida. O que muda então é o horizonte..., a estrada..., o caminho que se apresenta aos atores e iniciativas envolvidas com uma militância de transformação institucional, de mudança de um marco jurídico que permita o desenvolvimento das iniciativas... é o fato de pertencer a um coletivo mais amplo, freqüentar reuniões, vincular-se à uma ou várias redes, participar de fóruns..., esse é o elemento político da economia solidária...

 

Revista VeraCidade - Como se articulam economia, cultura e política no contexto da economia solidária, enfim, os princípios da economia solidária, como autogestão, igualdade, democracia, têm contribuído para a formação de novos sujeitos políticos e influenciado a vida política?

Genauto França - De fato, a fronteira entre economia popular e economia popular e solidária pode parecer tênue por vezes, especialmente quando se observa a dificuldade vivida por alguns EES. Na economia popular as pessoas trabalham o suficiente para garantir apenas a reprodução simples das condições de vida, ou seja, para assegurar sua manutenção e aquela do coletivo a cada dia, dado o estado de precariedade das condições de renda efetivamente geradas pelo empreendimento que se limita ao patamar da subsistência. Se neste caso, a ação econômica inscreve-se fortemente em vínculos de solidariedade pré-existentes na vida das pessoas, e na maioria dos casos trata-se de laços de parentesco - os empreendimentos guardam um forte componente familiar, por outro lado, não se verifica em geral uma capacidade de tal ação organizativa em provocar mudança maior no quadro de vida das pessoas, incluindo aí a vida no bairro. Ou seja, a ação está longe de envolver uma reprodução ampliada das condições de vida, ela (economia popular) não incorpora uma dimensão política. É precisamente este aspecto que permite pensar a diferença em relação à economia popular e solidária. Isto porque, muito embora muitos EES enfrentem grandes dificuldades econômicas, especialmente no seu início, o que permitiria situá-lo no patamar da sobrevivência ou subsistência, o que muda é o seu horizonte de sustentabilidade pensado a partir da incorporação da dimensão política em tais práticas. O que isso significa ? Como se pode observar essa dimensão política na prática dos EES ?
É preciso compreender a dimensão política das práticas de economia solidária em pelo menos dois níveis: a) política como democratização dos processos de gestão dos empreendimentos, isto é, o aprendizado de uma cultura de relações de trabalho modificando os processos de tomada de decisões nas organizações; b) política como ação pública. No primeiro nível, trata-se de uma questão de aprendizado de uma cultura política democrática no ambiente de trabalho em que as pessoas (antes acostumadas a serem mandadas) são confrontadas a necessidade de trabalhar em grupo, de compartilhar resultados e responsabilidades e de ter que tomar decisões comuns. O tamanho do desafio que se apresenta a pessoas muito simples e humildes neste tipo de situação é diretamente proporcional a desistência de uns (que não suportam o peso da mudança diante de um passado de constituição como sujeito extremamente sofrido e doloroso) e o engrandecimento de outros como sujeitos sociais, que enxergam claramente um outro horizonte de vida antes desconhecido – conforme os depoimentos comuns de tantos trabalhadores e trabalhadoras da economia solidária. A dimensão política aqui diz respeito à esfera da organização do trabalho, do aprendizado de uma nova cultura de gestão das relações de trabalho, na direção da perspectiva autogestionária (que evidentemente nem sempre se realiza plenamente). É política, portanto, no nível da tomada de decisão na organização, ou seja, no nível do poder organizacional. Para a economia popular e solidária não é suficiente que haja apenas vínculos de solidariedade entremeando as relações de trabalho, é preciso também o exercício de modos de tomada de decisão coletivos e democráticos, servindo como aprendizado político para as pessoas nos EES. Na prática, ocorre um grande processo de aprendizagem em tais empreendimentos, com vários acertos e desacertos, que é próprio de uma dinâmica nova de mudança cultural para tantos atores da economia solidária. O saldo de tal processo, na minha opinião, parece caminhar muito mais na direção de uma mudança institucional, mesmo que lenta, do que um retrocesso pelos casos de fracasso que também acontecem, ou seja, de alguns grupos que não parecem devidamente preparados. No segundo nível, as práticas de economia solidária afirmam uma dimensão política através da sua vocação em realizar ação pública. Isto quer dizer que as pessoas que trabalham nos empreendimentos podem participar de coletivos mais amplos, frequentar reuniões de fóruns de economia solidária, ou participar de redes mais amplas envolvendo seu empreendimento, em razão precisamente da própria existência desses espaços de auto-organização política, que é próprio do campo da economia solidária. Ou seja, trabalhar na economia solidária significa fazer parte de um movimento social de envergadura mais ampla, implicando inter-locução com poderes públicos muitas vezes. Mesmo no plano da vida no bairro, não são poucos os empreendimentos vocacionados a constituir-se, em si mesmo, como um espaço público de tipo novo, uma espécie de “espaço público de proximidade”, pois a cooperativa ou associação torna-se o lugar de referência para discussão local de problemas comuns, e a acão do empreendimento torna-se também impactante na vida das pessoas, tanto aquelas que fazem parte da iniciativa diretamente, quanto os moradores e moradoras que são beneficiários dos serviços ou produtos.
Pela afirmação dessa dimensão política, nota-se como as práticas de economia popular e solidária se situam precisamente a meio caminho entre subsistência e sustentabilidade. Se muitos empreendimentos não atingiram ainda uma sustentabilidade econômica e sofrem ainda com baixos níveis de renda, por outro lado, a dinâmica de transformação vivida por pessoas e grupos, muitos reconhecendo-se como sujeitos sociais ou cidadãos dotados de direitos, sinalizam caminhos e trajetórias de vida bem diferentes daquela da economia popular pura e simples. Claramente observam-se ações e condutas numa direção de reprodução ampliada das condições de vida.  

Revista VeraCidade - O que caracteriza as atuais formas de organização das redes de economia solidaria? Como se articulam produção e consumo no âmbito destas redes?

Genauto França - Penso que o exemplo de redes locais de economia solidária (RLES) são os mais categóricos em termos de mudança institucional (do quadro de vida) e mais emblemáticos acerca da idéia efetiva de uma outra economia acontecendo. As RLES não são muito difundidas na prática e algumas experiências tem aparecido nos últimos anos, como especialmente aquela do Conjunto Palmeiras, um bairro na periferia da cidade de Fortaleza, que conta com forte ação do Banco Palmas. Nós próprios, através da nossa Incubadora Universitária na UFBA - a ITES (Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial), estamos contribuindo com a construção de redes locais em alguns bairros populares, em diferentes cidades na Bahia. Por RLES deve-se compreender a articulação, numa mesma base territorial de empreendimentos e/ou iniciativas de economia solidária, em diferentes âmbitos de atuação: consumo ético, finanças solidárias, tecnologias livres, comércio justo, produção autogestionária e serviços locais, entre outros. Nesse  sentido, este tipo de rede supõe articulação entre iniciativas de distintas naturezas: sócio-econômicas, sócio-políticas, sócio-culturais e sócio-ambientais. Isto significa, em outras palavras, que uma RLES supõe a existência, tanto de iniciativas sócio-produtivas, quanto sócio-organizativas, desenvolvendo ações articuladas em rede num determinado contexto territorial. Para tanto, algumas inovações no âmbito das finanças solidárias, tal como os Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD), tornam-se vitais no processo de constituição de tais redes, tanto pelo fomento a circulação do micro-crédito local, podendo-se utilizar inclusive instrumentos altamente inovadores, tal como as moedas sociais, o que permite um incremento na circulação da renda local, quanto pela própria pedagogia política diferenciada que tal tipo de iniciativa permite. Assim, uma RLES deve presumir a existência de cooperativas populares, BCD, infocentros e de forma muito importante, as associações locais, pois estas últimas vão constituir-se como espaços públicos locais de grande importância no processo de fortalecimento de tais redes.
Um exemplo prático e categórico acerca de como em tais redes constrói-se uma outra economia, tem haver com a idéia de construção conjunta da oferta e da demanda que é possível incitar na dinâmica econômica local, o que supõe uma desconstrução prática da clássica dicotomia entre oferta e demanda, como condição básica para construção de mercados. Ou seja, numa RLES é possível planejar comunitariamente o processo de criação das atividades (geração de ofertas) a partir de demandas genuínas,  expressas através do debate público que pode ter lugar nos espaços associativos que fazem parte da RLES. Neste tipo de situação, a criação de atividades ou constituição de empreendimentos (geração da oferta), é decidida a partir de necessidades efetivas, que são identificadas e pleiteadas localmente e podem contar com apoio do próprio banco comunitário no financiamento das iniciativas. Observa-se, neste sentido, como uma outra economia acontece, através tanto da não ruptura entre oferta e demanda (ou seja, através da articulação entre produtores e consumidores associados ou entre prestadores de serviços e usuários associadamente), quanto da inscrição fortemente política de iniciativas sócio-produtivas que são definidas através de espaços públicos de proximidade, como as associações e fóruns locais de discussão pública de problemas comuns vividos pelas pessoas nos seus respectivos bairros. A dimensão política, neste caso, encontra-se fortemente vinculada a uma nova modalidade de elaboração da ação pública, através dessas iniciativas sócio-políticas, que são as associações locais constituídas ou reestruturadas no quadro de formação de tais RLES.
Evidentemente que as dificuldades de implantação de RLES não são pequenas, pois implica a construção de novos processos de institucionalização, requerendo a superação de grandes obstáculos, tanto do lado do contexto das localidades e bairros populares, quanto do ponto de vista do marco regulatório institucional mais amplo. Em relação ao primeiro, o maior obstáculo reside na cultura política autoritária e personalística, particularmente presente em grande parte das associações e organizações de bairro populares. O esforço, aqui, reside na construção de processos de aprendizagem do trabalho democrático. Já em relação ao segundo, o obstáculo diz respeito à necessidade de constituição de novos arcabouços jurídico-institucionais, permitindo o fortalecimento da economia solidária.
Um exemplo deste último aspecto diz respeito a necessidade de institucionalização de novos marcos regulatórios para a questão das relações de trabalho na economia solidária, uma vez que, nem o chamado trabalho assalariado, nem a atual lei do trabalho cooperativo, lhe cabem adequadamente. Estamos pensando aqui em uma idéia de direito ao trabalho associado que parece ainda muito distante de uma concretização efetiva hoje. De todo modo, em se tratando de economia solidária, conforme os termos e preocupações acima anunciadas, estamos muito distante de uma forma qualquer de precarização das relações de trabalho. O que está em jogo aqui é um outro quadro de direitos, uma outra institucionalidade, portanto, para um outro tipo de economia. O horizonte particularmente revolucionário que percebo na economia solidária,  reside precisamente neste ponto. Porém, tal idéia de transformação supõe uma convivência com opostos, pois estamos falando em existência simultânea de marcos regulatórios distintos,  para formas de vida e tipos de economia diferentes. Essa é a idéia força contida no conceito de economia plural. A convivência de diferentes sistemas de vida social e econômica supõe embates políticos, mas isso é normal, é parte constitutiva mesmo da própria vida em sociedade. Ou seja, a economia plural supõe tensões, obviamente. A capacidade que a dinâmica da acumulação capitalista tem em subordinar todas as demais formas de economia ou vida social, que se apresentem distintas de seus valores e princípios é notória, porém ela será tão mais forte quanto menor for a capacidade que a sociedade terá de inventar novos marcos regulatórios. Portanto, a chave, na minha opinião, reside na construção dessa outra institucionalidade. É ela que permite legitimar e fortalecer a existência de outros enclaves de organização da vida em sociedade. Se a institucionalidade de uma economia solidária será hegemônica no futuro, em relação a economia de mercado, sinceramente eu não sei (e ninguém pode pretender sabê-lo, sob pena de incorrer em qualquer forma de profetismo, que não tem nenhum fundamento científico e ainda corre o risco de derivar em fundamentalismo). Espero que sim..., ou espero que possamos viver numa sociedade onde as opções de escolha das pessoas sejam diversas, não devendo limitar-se a nenhum tipo de ditadura de mercado ou de uma sociedade de consumo desvairada, que compromete o próprio equilíbrio da vida no planeta. Não se pode negar o direito de pessoas, hoje, em querer optar pela via do mercado, como modo de estruturação de sua vida (inclusive muitas aí se encontram pelo simples fato de não estar suficientemente desenvolvida e legitimada institucionalmente uma outra alternativa), assim como, não se desmonta um sistema instituído dessa natureza apenas com um discurso, mesmo que muito bem construído e elaborado, contudo é preciso construir outras vias..., não apenas como símbolo de reconforto para aqueles mais esclarecidos e que estão profundamente descontentes com o sistema em que vivemos, mas sobretudo para criar soluções mais justas socialmente para aqueles (muitos) que sofrem no sistema em que vivemos... afinal de contas qual a razão e o sentido da exclusão...?
Em resumo, penso que a economia solidária ou a economia popular e solidária, enquanto movimento, tem vocação a constituir uma outra economia, isto é, um outro campo de práticas organizativas e de atuação profissional, devendo existir num marco regulatório novo, que permitiria fazer conviver mais de um paradigma em relação aquele da economia de mercado. Estamos pensando efetivamente na concretização da idéia que defendemos de uma economia plural. Neste sentido, o reforço de uma economia solidária não significa simplesmente a possibilidade de fazer regozijarem-se aqueles que se opõe a avalanche predatória de uma sociedade de consumo insaciável, trata-se de uma necessidade fundamental de reorganização da vida para amplas parcelas da população, em diferentes países, que não podem ser incluídas numa dinâmica de desenvolvimento baseado na economia de mercado, ou seja, numa dinâmica insercional-competitiva. A urgência de constituição de uma outra economia, ou de uma outra institucionalidade para o fazer econômico em sociedade, deve-se aos próprios rumos da desigualdade social e as próprias limitações da economia de mercado ou do capitalismo, na sua capacidade em produzir bem estar social generalizado. É preciso reconhecer-se definitivamente as insuficiências desse sistema de mercado e abrir os horizontes de vida das pessoas. O tamanho da revolução possível de operar através dessa nova institucionalidade, é ainda inimaginável para muitos, isto porque ela supõe repensar o conjunto de nosso modo de vida, a começar pelos nossos próprios hábitos de consumo, por isso trata-se de uma revolução ao mesmo tempo econômica, política, cultural e ambiental. Esse, aliás, é o sentido de uma outra economia..., reequilibrar a relação entre essas várias esferas de organização da vida em sociedade.

 

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*professor da Universidade Federal da Bahia.Pesquisador CNPq.Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Estudos Organizacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: economia solidária, associativismo, terceiro setor, economia popular e novas formas de solidariedade.Possui graduação em Administração pela Universidade Federal da Bahia (1991), mestrado em Administração pela Universidade Federal da Bahia (1993) e doutorado em Sociologia - Universite de Paris VII (2000).